Desde a tarde da última sexta-feira, 23/10, a sociedade de Brasília está mobilizada pelas redes sociais diante das notícias de que partes do prédio utilizado por décadas pelo Touring Club do Brasil na área central da cidade estavam sendo demolidas devido a uma reforma para que fosse ocupado como templo religioso, uso não previsto para o local.
O edifício localiza-se no Setor Cultural Sul e foi descrito originalmente por Lucio Costa no Relatório do Plano Piloto como “um pavilhão de pouca altura debruçado sobre os jardins do setor cultural e destinado a restaurante, bar e casa de chá”. Em 1967 ali foi inaugurado o edifício sede do Touring Club, entidade que se destinava a divulgar o turismo do país e que funcionou no local até os anos 90.
Desde então o prédio passou por diversos usos, inclusive de órgãos públicos, mas infelizmente nunca teve o uso cultural ou similar ao concebido inicialmente. Contudo é uma construção emblemática no centro da cidade, não somente por fazer parte da concepção original de Brasília, mas por ser um exemplar característico da Arquitetura Moderna Brasileira.
Essa pequena obra avarandada de Oscar Niemeyer apresentava originalmente visão transpassada entre a Plataforma Superior da Rodoviária e a Esplanada dos Ministérios por meio de sua fachada livre e envidraçada. A cobertura – que traduz visualmente os esforços calculados na engenharia, chamados de momento fletor – foi executada em concreto aparente , conferindo leveza à edificação. Infelizmente, com os diversos usos e reformas realizadas no local, muitas dessas características foram perdidas.
Vale ainda destacar seu papel de conector urbano, visto que é o portal de entrada para o Setor Cultural Sul, onde se localiza o Complexo Cultural da República (Biblioteca Nacional e Museu Nacional), e de ligação deste com o Setor Bancário Sul e Setor de Diversões Sul, através da própria edificação e de uma passagem subterrânea que leva à praça sobre a plataforma rodoviária (em frente ao “Conic”).
Diante de sua importância arquitetônica e urbanística, por ocasião do centenário de Oscar Niemeyer, iniciou-se o seu processo de tombamento em nível federal em 2007. Atualmente o edifício possui um tombamento provisório, ou seja, ainda não concluído, mas que confere os efeitos de proteção antecipadamente sobre o bem, conforme o parágrafo único do artigo 10º do Decreto-Lei Nº 25 de 1937, a seguir:
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o tombamento provisório se equiparará ao definitivo.
Além do tombamento, que protege a obra de qualquer descaracterização, é importante destacar que o artigo 3º da Portaria IPHAN N°314/1992 define que “as áreas compreendidas entre a Esplanada dos Ministérios e a Plataforma Rodoviária ao sul e ao norte do canteiro central, e que constituem os Setores Culturais Sul e Norte, destinam-se a construções públicas de caráter cultural“.
Diante do exposto percebe-se que é um equívoco permitir-se um estabelecimento no local que não possua caráter turístico ou cultural. A instalação de um templo religioso no pavimento superior da edificação, assim como o Terminal Rodoviário, funcionando atualmente, no pavimento inferior, são usos que não condizem com as normas vigentes ou a concepção da edificação e do setor onde se localiza.
A mobilização da sociedade em defesa do prédio do Touring é espontânea e legítima. Antes de tudo a cidade sai em defesa de sua história e dos valores de sua arquitetura e urbanismo. Ainda que o prédio seja de propriedade privada, há legislação de preservação e parâmetros de ocupação a serem respeitados e trâmites a serem atendidos. O que todos queremos é que o Pavilhão de Lucio Costa seja tratado com respeito e resgatado como um equipamento cultural do centro de uma cidade reconhecida como Patrimônio Mundial.
Nesta quarta-feira, 28/10/2015, a sociedade brasiliense estará reunida em frente ao Pavilhão de Lucio Costa a partir das 12h30, pela desapropriação do prédio e destinação a atividades culturais. PARTICIPE!
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Por Viviane Barroso Moreira e Cristiano de Sousa Nascimento